07/05/2025

Brasileiras falam da força invisível de quem vive a maternidade atípica

Entre desafios e aprendizados, mães de pessoas com deficiência encontram no Projeto Laços, do Instituto Serendipidade, um espaço de escuta, acolhimento e pertencimento para seguir cuidando e transformando realidades

Tem um ditado popular que diz que ‘ser mãe é padecer no paraíso’. O romantismo equivocado dessa máxima traz à tona a realidade enfrentada pela maior parte das mulheres que têm filhos: uma rotina que exige entrega física, emocional e financeira. E quando se tem uma criança com deficiência, todo esse contexto é potencializado por uma jornada cheia de superação e, muitas vezes, invisibilidade social. Elas tornam-se cuidadoras em tempo integral, advogadas dos direitos dos filhos, educadoras, terapeutas e a principal fonte de estímulo e segurança para o desenvolvimento daquela pessoa.

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indica que em 58% das famílias que possuem uma pessoa com deficiência, é a mãe quem assume o protagonismo dos cuidados. É o que ocorre com a Lilian Bertoso e com a Flávia Piza. Lilian é mãe de dois meninos, de 8 e 10 anos. Flávia, de duas meninas, de 23 e de 16 anos. Ambas exercem as duas faces da maternidade, uma típica e outra atípica. “Eu digo que eu sou mãe de duas filhas únicas, pois acabo me dividindo. A maternidade da Isabela é completamente diferente da maternidade da Sofia. A cabeça muda, o jeito de se comportar muda, porque eu acho que o mundo realmente não está preparado para pessoas diferentes e enfrentar essa realidade traz, sim, um sentimento de culpa, principalmente por eu não conseguir proporcionar as mesmas coisas para as minhas duas filhas”, relata Flávia.

Para Lilian, o sentimento de culpa não é algo que faça parte da sua rotina, mas o receio dos desafios que o filho com síndrome de Down terá pela frente, sim. “Minha preocupação é com as questões externas, com a inclusão efetiva: como vai ser o futuro dele quando adulto, as oportunidades de trabalho e de poder levar a vida o mais próximo do normal – o que é possível, mas depende de um contexto que foge do meu alcance. Sempre fiz de tudo para que o Gabriel tivesse uma vida comum como a de qualquer criança. Claro, houve momentos mais difíceis, mas hoje ele tem autonomia adequada para a idade dele. Então, na minha realidade, hoje a sobrecarga é mais emocional, de pensar no futuro”, afirma.

Tanto Flávia quanto Lilian são acolhedoras no Projeto Laços, do Instituto Serendipidade, uma organização sem fins lucrativos que presta suporte a famílias e pessoas com deficiência em várias fases da vida. “O Projeto Laços nasceu da necessidade de acolher, escutar e apoiar mães que descobriram o diagnóstico e que vivem uma jornada de amor e desafios que poucos compreendem. Para nós, essas mães precisam mais do que orientação técnica: elas precisam de rede de apoio, afeto e pertencimento. O Laços promove rodas de conversa, encontros e formações que fortalecem vínculos e oferecem um espaço seguro de troca entre mães que compartilham realidades similares”, explica Marina Zylberstajn, coordenadora do Projeto Laços.

Apesar de tantos desafios e, principalmente, barreiras sociais, é importante destacar que essas mães desenvolvem uma resiliência admirável – e no Projeto Laços, encontram base e apoio para construir uma forma mais leve de maternar. Muitas se tornam ativistas por inclusão e acessibilidade, e se especializam em temas como educação inclusiva, saúde e direitos das pessoas com deficiência. Na sua luta, elas contribuem para a transformação da sociedade como um todo.

“O conhecimento é libertador, e eu acredito que o tripé amor – credibilidade – estímulo podem ajudar tanto a criança quanto os responsáveis por ela a trilharem um caminho seguro de desenvolvimento e resultados positivos. Assim eu enxergo o quanto estou fazendo a diferença não só para a vida do meu filho, mas na minha vida e para a sociedade. Quando buscamos educar as pessoas ao redor sobre a deficiência, seja ela qual for, estamos também ajudando a transformar o mundo, passando a enxergar a deficiência de forma leve”, aconselha Lilian.

Flávia, que também é psicanalista, reforça o quanto cercar-se de amparo interno e externo é determinante para enfrentar a jornada da maternidade atípica. “Eu acho que a maternidade atípica faz todas as mulheres se tornarem muito fortes. E não necessariamente era um desejo. Eu, por muitas vezes, me perguntei por que eu tenho que ser tão forte. Eu não queria ser forte. Mas eu não tinha escolha. A maternidade atípica não é fofa, ela é desafiadora, um aprendizado constante. É preciso buscar informações e autoconhecimento. A terapia, por exemplo, abre espaço para essa dor silenciada pelas outras pessoas. Ser mãe atípica é ter uma vida diferente e precisamos enxergar e vivenciar as belezas dessa vida”, opina. 


Legenda: Flávia Piza com a filha Isabela.
Créditos: Arquivo pessoal
Legenda: Lilian Bertozo com o filho Gabriel.
Créditos: Arquivo pessoal