Como as pessoas com deficiência estão remodelando o mercado de trabalho
Conheça personagens que conquistam a cada dia seu espaço seu lugar no ambiente corporativo e mostram que a deficiência não é impeditivo
Dados de uma pesquisa realizada e divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2023, mostram que o Brasil conta com aproximadamente 18,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) indica ainda que apenas 26% dessas pessoas estavam atuantes no mercado de trabalho.
Completando 33 anos em 2024, a Lei de Cotas (Lei nº 8.213/1991) determina que empresas com 100 ou mais empregados devem preencher de 2% a 5% dos seus cargos com pessoas com deficiência. Porém, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego, em 2021, menos da metade das vagas reservadas estavam efetivamente ocupadas. Entre as pessoas com vínculo empregatício com empregadores obrigados pela Lei, a maior parte tinha deficiência física (45%) e a menor parte tinha deficiências múltiplas (1,6%). 9,4% tinham deficiência intelectual.
“Há uma frase que diz: ‘inserir é convidar para a festa e incluir é chamar para dançar’. Ações de sensibilização e inclusão dentro das empresas são essenciais para a inclusão efetiva desta parcela da população. Considero que essa defasagem esteja relacionada à falta de informação, preconceito e, principalmente, falta de convivência com pessoas com deficiência”, diz Henri Zylberstajn, fundador do Instituto Serendipidade, que fornece suporte e orientação a pessoas com deficiência e suas famílias, além de propor ações de impacto social relevante em empresas e instituições.
A parceria entre empresas e entidades que trabalham com a conscientização de equipes, como faz o Instituto Serendipidade, pode fazer parte das ações para inclusão de indivíduos no mercado de trabalho. “Vemos que muitas pessoas não sabem o que significa ‘acessibilidade’, já que, mesmo que contratem pessoas com deficiência, acabam ignorando que todo o ambiente precisa estar adaptado para que a pessoa trabalhe com autonomia. E é aí que entramos, levando informação para empresas e colaboradores”, diz Henri.
Quando a deficiência é só um detalhe
Henrique Blankenburg tem 24 anos e foi recentemente contratado como orientador de público de uma unidade do Sesi em São Paulo (SP). A mãe percebia nele o desejo de ter autonomia e, como os pais e irmãos trabalhavam, incentivaram a busca pelo primeiro emprego. O jovem começou a trabalhar em 2019, com carteira assinada, em uma emissora de rádio e televisão da capital paulista.
A logística para ir para o trabalho trouxe um grande avanço para sua autonomia. Henrique vai sozinho, de metrô, para o local onde atua durante eventos culturais e outras atividades. “Eu adoro trabalhar no SESI, estou na área da cultura, que é o que eu amo. Já estou bem entrosado com os meus colegas e nos damos muito bem”, diz o jovem.
O amor pelos animais levou Luiza Suaide, 25 anos, a encarar um curso profissionalizante de banho e tosa. Depois de fazer estágio em um pet shop mas não ser efetivada, a jovem foi contratada para trabalhar em uma hamburgueria que buscava colaboradores com deficiência intelectual. Com síndrome de Down, Luiza começou a trabalhar em uma unidade do Patties Burguer aos 20 anos e está lá até hoje.
O acordo entre os pais de Luiza e Pedro, seu irmão, seria de que os dois seriam tratados exatamente iguais, com as mesmas oportunidades. O irmão já trabalhava e Luiza também logo entrou para o mercado de trabalho. A jovem também quer tirar o registro para ser bailarina, atividade a que se dedica desde 2015 e quer se tornar profissional.
Hoje Luly, como é chamada pelos amigos e familiares, trabalha no atendimento da hamburgueria duas vezes por semana, onde monta os lanches e entrega os pedidos, e nos outros dias se dedica ao setor de Marketing da empresa, respondendo comentários e mensagens nas redes sociais, gravando vídeos e elaborando playlists de músicas que tocam na loja. “Adoro trabalhar. Meus colegas me adoram, eu tenho respeito com eles. O ambiente é muito bom e trabalho com tranquilidade, demonstro carinho com os clientes. Eu gosto muito”, diz Luiza.
Letícia Guilherme tem deficiência física e, por isso, fez um acordo na empresa em que trabalha para que pudesse trabalhar presencialmente somente uma vez por semana. “Quando vou para o escritório, fico muito cansada, com muita dor. Indo uma vez já reduz essa questão e também permite que eu interaja com as pessoas, o que acaba sendo divertido e agregador”, diz a jovem de 26 anos que enfrenta uma patologia chamada osteogênese imperfeita, condição rara que tem como principal característica a fragilidade dos ossos que quebram com facilidade.
Para ela, a inacessibilidade existe em todos os espaços, independente se é no trabalho ou em outro lugar. “Até dentro da nossa casa encaramos isso. Então, às vezes só significa que da porta para fora o mundo pode ser um pouquinho mais cruel. Eu enfrento certa falta de acessibilidade no trabalho, mas a empresa acaba se responsabilizando por isso e tentando resolver. É uma questão de mercado e da sociedade como um todo, de não perceber pessoas com deficiência como pessoas capazes de exercerem suas funções. Ainda temos um longo caminho a percorrer na inclusão e na contratação de pessoas com deficiência, tanto físicas quanto intelectuais”, diz Letícia.
Cenário recente da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho
Os dados da Pnad Contínua mostram ainda que as pessoas com deficiência estão sub-representadas no setor privado (35,4%), contudo estão super-representadas no trabalho doméstico (10,1%) e no trabalho por conta própria (36,5%) quando comparadas às pessoas sem deficiência. Já a taxa de informalidade das pessoas com deficiência chega a 55%, quando a das pessoas sem deficiência é de 38,7%.
“O maior desafio para a inclusão é a barreira atitudinal, um viés inconsciente onde as pessoas não se dão conta de que o que acreditam e pensam é resultado de uma cultura que foi imposta por meio dos séculos. É importante treinarmos as equipes com esse propósito: mostrar que antes de qualquer característica, existe uma pessoa com vontades, com dons, com talentos, com uma capacidade infinita. Então, esses líderes acabam entendendo que muitas vezes o que eles acreditam não tem fundamento, não é real e, sim, algo construído pela sociedade”, diz Andréa Barbi, educadora social e consultora de emprego apoiado no Instituto MetaSocial e coordenadora e mediadora do Beleza em Todas as Suas Formas, do Grupo Alfaparf, em São Paulo.
Marinalva Cruz, especialista em diversidade, acessibilidade e políticas para inclusão com mais de 22 anos de experiência na área, diz que os processos seletivos são realizados de forma equivocada por muitas empresas. “Elas não contratam com base nas habilidades e competências das pessoas com deficiência, mas, sim, focam somente na deficiência. A empresa só será verdadeiramente inclusiva se houver investimento em acessibilidade, se considerar a população com deficiência como cliente e consumidor, oferecer oportunidades em todos os níveis hierárquicos e contratar pela habilidade e competência e não pelo tipo de deficiência”, diz.