Do acolhimento à inclusão: Projeto Laços completa cinco anos acolhendo famílias de pessoas com deficiência
Iniciativa do Instituto Serendipidade, ONG que dá suporte a pessoas com síndrome de Down e outras deficiências, foi criado em 2019 para servir como rede de apoio para pais e mães que acabam de descobrir o diagnóstico de seus filhos
Paulo Sérgio Rodrigues, de 50 anos, é pai do Cadu, de cinco anos. O menino tem, entre outras características, a síndrome de Down e a descoberta da condição não foi fácil para a família. “Foi no momento do nascimento. A pediatra me chamou para conversar na UTI do hospital, onde me disse que meu filho tinha características de síndrome de Down. Eu questionei ‘O que é isso, doutora?”, mas ela só disse ‘É isso que eu tenho pra falar pra você’. E virou as costas”, relata.
O comerciante diz que a notícia o deixou em pânico e o levou a chorar escondido em seu escritório por muitos dias. Depois, ele virou a chave e decidiu viver e curtir o filho, buscando orientações sobre a síndrome e apoio para cuidar do filho. Nesta jornada, teve contato com o Projeto Laços, iniciativa que, através de uma metodologia própria, visa acolher voluntariamente pais e mães que recebem a notícia de que seu filho tem alguma deficiência ou outra condição genética, que completa cinco anos no dia 30 de junho.
“Conheci o projeto pesquisando pela internet. A iniciativa é excelente porque além de atendermos centenas de famílias, eu pude criar outros grupos aqui na minha cidade para atender as famílias daqui e da região. Então serviu de estímulo para que eu replicasse esse acolhimento”, explica Paulo, que mora em Presidente Prudente (SP).
O Projeto Laços foi criado pelo Instituto Serendipidade, ONG que tem como propósito transformar o olhar da sociedade para o tema da inclusão, impulsionando impacto social relevante, colaborativo, inovador e potencializando a inclusão das pessoas com deficiência no Brasil, para que seja vista de forma positiva pela sociedade.
A iniciativa nasceu a partir da chegada de Pedro, que tem síndrome de Down, terceiro filho de Henri e Marina Zylberstajn, fundadores do Instituto Serendipidade. O Projeto Laços é formado por pais e mães voluntários, que passam por um treinamento para acolher outras famílias. O atendimento consiste em ouvir os pais, validar seus sentimentos e compartilhar vivências relacionadas aos cuidados com uma criança com necessidades específicas, fortalecendo a rede de apoio. Atualmente conta com 38 pais e mães acolhedores, que já realizaram 336 acolhimentos até o momento, inclusive de famílias do exterior: cinco famílias dos EUA, quatro da Europa e uma da Austrália.
“Tivemos sorte de ter uma pessoa próxima que nos acolheu, porque também tinha uma filha com T21 (Trissomia do cromossomo 21 - síndrome de Down). A partir desse momento me veio a dúvida se outras pessoas também teriam uma pessoa para acolhê-las. Então pensamos no Projeto Laços”, diz Marina. O casal recebeu a notícia do diagnóstico no momento do nascimento.
Atualmente, a iniciativa é coordenada por Marina Zylberstajn, Deise Campos e Fernanda Rodrigues, mães de crianças e jovens com deficiência, e por Claudia Zaclis, que tem um irmão com síndrome de Down. O trabalho delas vai desde fazer a triagem para selecionar as pessoas que se candidatam a ser acolhedores voluntários, dar o treinamento específico e orientá-los para o acolhimento.
Quando recebem um pedido de acolhimento, solicita-se que preencham uma ficha com informações sobre a família e a criança, que são importantes para que a coordenadora possa direcionar essa família para o acolhedor que mais se aproxime do seu perfil. Assim, o acolhimento pode ser mais assertivo, já que estarão em contato com outra família que já passou pela mesma situação.
“Oferecemos uma rede de apoio que é fundamental para o dia a dia, tirar dúvidas, compartilhar angústias, para receber dicas, para fazer amigos e perceber que você não está sozinho no barco. Ver, hoje, essa rede caminhando sozinha, é maravilhoso e me sinto muito realizada de ter conseguido, junto com outras pessoas maravilhosas, ter colocado essa rede de pé e funcionando organicamente”, reflete Marina.
Tuane Macedo Brito, empreendedora de 36 anos e mãe do Airam, de um ano e oito meses, teve um parto prematuro, às 34 semanas de gestação, devido ao diagnóstico de pré-eclâmpsia. Após o parto, o marido foi quem ficou sabendo do diagnóstico do bebê - síndrome de Down. “Ele ficou em choque e veio correndo me contar, eu ainda estava me recuperando da anestesia. Só tivemos certeza depois de fazer o exame de cariótipo e o resultado positivo me deixou muito abalada. Mas foi questão de um dia, logo seguimos em frente na nossa jornada, amando muito nosso filho”, diz Tuane.
Ela foi acolhida pelo Projeto Laços, onde garante que é muito importante contar com o apoio de que precisa através do grupo. “Sempre que eu tenho alguma dúvida, é lá que eu vou buscar primeiro ou faço questionamentos. O pessoal é muito solícito e acolhedor. Tem crianças de diversas fases no grupo, então já tenho um ‘pré-conhecimento’ de como vai ser quando chegar a fase do Airam, os principais desafios e dificuldades. Então é um ambiente muito bom”.
Inclusão de pessoas com deficiência e o impacto do acolhimento
Iniciativas como o Projeto Laços são importantes para transformar a realidade das pessoas com deficiência no Brasil e no mundo, já que toda a família é envolvida no processo e tende-se a criar um ecossistema mais favorável à inclusão. Ao mesmo tempo, mostra como a sociedade ainda tem muito a evoluir neste sentido.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, de 2022, passaram a levar em conta barreiras externas como os reais fatores de exclusão, ao invés das características individuais de incapacidade. Tais barreiras podem ser consideradas responsáveis por impedimentos das realizações de atividades cotidianas.
Dificuldades de locomoção, alimentação e outras ações podem limitar áreas significativas da vida de uma pessoa, como trabalho e lazer. A maioria das pessoas com deficiência são mulheres, representando 10% da população do Brasil, enquanto os homens representam 7,7%. Dentre essas, um pouco mais de pessoas são pretas (9,5%), contra 8,9% de pardos e 8,7% de brancos. As dificuldades e seus níveis vão se alterando conforme a idade dos entrevistados. Já no mercado de trabalho, a mesma pesquisa apontou que 5,1 milhões de pessoas com deficiência trabalhavam, contra 12 milhões que estavam fora da força de trabalho no Brasil.
Buscando fomentar a real inclusão, hoje o país conta com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), criada em julho de 2015, que busca assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso aos mesmos direitos e oportunidades de todos, promovendo a cidadania inclusiva em segmentos sociais diversos.
Neste mesmo sentido, a Lei de Cotas (Lei nº 8.213), sancionada em julho de 1991, também é importante para a inclusão no mercado de trabalho. Ela estabelece que empresas com 100 ou mais colaboradores reservem uma porcentagem de suas vagas para pessoas com deficiência. Porém, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego, em 2021, menos da metade das vagas reservadas estavam efetivamente ocupadas. Entre as pessoas com vínculo empregatício com empregadores obrigados pela Lei, a maior parte tinha deficiência física (45%) e a menor parte tinha deficiências múltiplas (1,6%). 9,4% tinham deficiência intelectual.
“Há uma frase que diz: ‘inserir é convidar para a festa e incluir é chamar para dançar’. Ações de sensibilização e inclusão dentro das empresas são essenciais para a inclusão efetiva desta parcela da população. Considero que essa defasagem esteja relacionada à falta de informação, preconceito e, principalmente, falta de convivência com pessoas com deficiência, em uma sociedade que associa deficiência com incapacidade. O Serendipidade cria pontes e leva sua expertise no acolhimento de familiares para as empresas parceiras. Quando o mundo se torna um lugar desconhecido e os desafios se multiplicam, encontrar um espaço de pertencimento é uma necessidade que todos compartilhamos. Fazer parte de algo maior dá significado à nossa jornada”, diz Henri Zylberstajn, fundador do Instituto Serendipidade.
“A escuta ativa, sem julgamentos, também é uma forma das lideranças acolherem as necessidades específicas de suas equipes, contribuindo para adaptação do meio através do design universal, que é bom para todos, para que inclusão aconteça na prática. São conquistas diárias que precisam de treino, perseverança, equidade e alteridade. Esses pilares potencializam a inclusão produtiva gerando melhor desempenho e engajamento das equipes”, diz Débora Goldzveig, gerente institucional do Instituto Serendipidade.