Luta pela Educação Inclusiva: como é o cenário brasileiro da inclusão
A integração de pessoas com deficiência intelectual no ambiente escolar tem crescido, mas o que ainda falta para que isso não seja mais um problema? Entidades como o Instituto Serendipidade atuam para quebrar barreiras para esta parcela da população
Dados do último Censo Escolar da Educação Básica, de 2022, mostram que o número de alunos com deficiência matriculados em escolas públicas e privadas chegou a cerca de 1,3 milhão de estudantes, a maior parte com deficiência intelectual, seguida de pessoas com Autismo e deficiência física.
Porém, a efetiva inclusão dessa parcela da população no meio educacional ainda é um obstáculo para boa parte dos professores e outros profissionais da educação. Uma pesquisa conduzida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que saber como incluir estudantes com deficiência nas aulas é uma das principais necessidades para a formação de professores. 58,4% dos educadores brasileiros, atuantes no ensino fundamental e que participaram da pesquisa, destacaram que essa é uma grande preocupação.
Regiane Normilio, acolhida pelo Projeto Laços, do Instituto Serendipidade, entidade que apoia pessoas com síndrome de Down e outras condições genéticas, empresária e mãe do Vinícius, de 2 anos, que tem síndrome de Down, teve dificuldades para matricular o filho na creche. “Quando falávamos que o Vini tem síndrome de Down, as creches já nem retornavam mais, quando estávamos tentando matricular ele. O Vini não andava sozinho, não comia sozinho e as professoras viam dificuldade nisso, até porque são apenas duas professoras na sala de aula para 15 ou 20 crianças. Chegamos a buscar órgão de apoio à inclusão e eles nos informaram que esse papel - da inclusão da criança com síndrome de Down - é da escola. Essa foi a nossa principal dificuldade”, diz.
A Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.145/2015) foi aprovada em 2015 e aborda o direito à educação por parte das pessoas com deficiência, apesar de não deixar explícito que elas devem ser matriculadas em escolas regulares ao invés de escolas especiais.
O jeito é continuar batalhando pela conscientização da sociedade e pela inclusão de pessoas com deficiência nos ambientes escolares, independente de serem escolas ou faculdades.
Foi o que fez Guilherme Campos e sua família. Com 30 anos, hoje ele é formado em Gastronomia e trabalha como chef de cozinha. Ele teve contato com a área em uma instituição especializada no atendimento a pessoas com síndrome de Down e logo quis se especializar.
O jovem se inscreveu no curso de Gastronomia em segredo e a aprovação no vestibular emocionou a família. Antes das provas práticas, Guilherme cozinhava o prato várias vezes em casa, para treinar. Porém, em alguns trabalhos em grupo, se sentia ignorado. Apesar da abertura das outras pessoas em “aceitá-lo” no grupo, percebia que suas sugestões não eram ouvidas.
“Precisei me fortalecer para não desanimar quando os outros subestimavam minha habilidade. Não deixo mais duvidarem da minha capacidade”, diz Guilherme. “Hoje tenho um emprego com salário bom e com isso posso fazer as coisas que gosto com autonomia, como sair com amigos e passear com a minha namorada. Nós, pessoas com deficiência, precisamos construir autonomia para ter um emprego, uma vida e um futuro independente. Todas as pessoas podem e devem estudar em colégios comuns e fazer uma faculdade da sua escolha”, completa.
Chef Gui Campos é um dos embaixadores do Instituto Serendipidade, organização sem fins lucrativos que tem como objetivo acolher e apoiar pessoas com síndrome de Down e suas famílias.
Já o estudante de Educação Física, João Vitor Paiva, de 22 anos, está no sexto semestre da faculdade e tem o sonho de ter sua própria academia e trabalhar como personal trainer. “Desde pequeno tenho grande interesse por esportes: jogo futebol, basquete, nado e treino na academia. A PUC-GO, onde eu estudo, tem um ambiente super inclusivo, onde recebo todo o suporte e apoio que preciso”, diz João.
O jovem tem aulas de estágio com crianças e idosos. Recentemente ele viralizou nas redes sociais ao postar um vídeo em uma plataforma mostrando sua rotina na faculdade. A repercussão foi tão grande que o João passou de 500 para 15 mil seguidores em um único dia. Hoje mais de 600 mil pessoas acompanham a rotina do jovem na faculdade e nos projetos pessoais.
“Depois da repercussão do meu vídeo eu entendi a importância das minhas postagens, que também chegam a pessoas sem deficiência, o que incentiva a quebra dos preconceitos da sociedade. Um ambiente escolar inclusivo é muito importante, porque sem esse apoio pessoas com deficiência não têm a oportunidade de se desenvolver e conquistar seus sonhos”, reforça o estudante.
Dentro do Projeto Laços, iniciativa do Instituto Serendipidade, pais e mães de pessoas com síndrome de Down e outras condições genéticas, são acolhidos por outros pais e mães que já têm experiência e vivência dentro deste universo. Assim todos se apoiam na luta pela inclusão de seus filhos em todos os espaços possíveis, inclusive na educação.
Educação e inclusão através da leitura
Em parceria com o Clube Leiturinha e com o Instituto Simbora Gente - ambas entidades que promovem a inclusão de pessoas com deficiência e suas famílias através de iniciativas próprias - o Instituto Serendipidade lançou, em 2022, dois livros infantis para crianças de 4 a 8 anos. “Vamos Montar uma Banda” e “Simbora, tá na hora!” foram escritos por autores que participaram de oficinas de escrita criativa. Eles são Autodefensores do Instituto Simbora Gente, ativistas com deficiência intelectual que estudam e praticam seus direitos e deveres como cidadãos.
Já o livro “Joca e Dado - Uma Amizade Diferente” é de autoria do fundador do Instituto Serendipidade, Henri Zylberstajn, que é pai de um menino de 6 anos com síndrome de Down, Pedro (@pepozylber).
Exemplares das 3 obras foram distribuídos para escolas públicas de São Paulo e do Rio de Janeiro, que se tornaram ferramentas para discutir a temática da inclusão entre os estudantes. “As crianças leram junto com as professoras e fizeram trocas de experiências e de informações. Todos adoraram e sempre revisitam as obras, que ficam disponíveis nas salas de aula e na biblioteca. É um livro muito gostoso de ler, com ilustrações lindas e com um ótimo assunto para ser trabalhado em sala de aula”, diz Gabriela Tofanelli, orientadora educacional da Escola Lumiar. A instituição é uma das que recebeu os livros a partir de uma ação em parceria com a KPMG, que audita as iniciativas do Instituto Serendipidade.