04/03/2021

Visão global da saúde será cada vez mais importante para o combate de epidemias, destaca especialista

Micologista Paulo Murillo Neufeld avalia que estudos sobre a ecologia e biologia dos fungos na medicina serão cada vez mais importantes para se compreender o ambiente e os impactos que esses organismos trazem para a saúde humana

Estudos integrados na área da saúde nunca tiveram tanto destaque em todo o mundo quanto em 2020. Com a pandemia do Novo Coronavírus, o conceito de One Health (Saúde Única), em que ambiente, sanidade animal e saúde humana são avaliados sob uma ótica conjunta, tem crescido exponencialmente.

De acordo com o pesquisador e micologista Paulo Murillo Neufeld, está claro que, muitas das doenças humanas, particularmente aquelas de origem fúngica, têm sua origem a partir do meio ambiente.

“Na verdade, as pesquisas sempre levaram em consideração o ambiente como reservatório de fungos patogênicos. De certa forma, sempre houve uma aceitação empírica do conceito de One Health (Saúde Ùnica) na micologia, já que, como organismos ambientais e potencialmente patogênicos os fungos se relacionam tanto com as populações humanas quanto com as populações animais, além de impactar também, pela atividade de decomposição e fitopatogênica, o ambiente onde estão inseridas essas populações. Nos últimos anos, especialmente em 2020, esse conceito acabou sendo mais bem formatado. Em decorrência disso, é de extrema importância que entendamos o ambiente como um grande guarda-chuva sanitário, para que possamos evoluir no tratamento e, principalmente, na prevenção de enfermidades de caráter endêmico ou epidêmico”, comenta.

O especialista e coordenador do Laboratório de Micologia Médica e Forense da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) lembra que a passagem de microrganismos pela barreira inter-específica, como proposto para a Covid-19, que chegou até os humanos vinda de animais silvestres, tem sido, igualmente, observada para outras doenças, inclusive aquelas de origem fúngica, como a esporotricose, cujo agente etiológico, o Sporothrix spp., é um organismo sapróbio de solo e vegetais. Esses fatos põem em perspectiva, mas uma vez, a ideia de Saúde Única como área fundamental de estudo em medicina.

“Por isso reitero que os fungos precisam ser avaliados como parte crucial do ambiente.  Eles são organismos que podem ser transportados através de um hospedeiro animal ou por diferentes fatores abióticos e chegarem no ser humano que, por sua vez, também pode disseminá-los. Como exemplo, menciono novamente a esporotricose que, desde 1998, se tornou endêmica na cidade do Rio de Janeiro, por uma fatídica conjuminância que associou solos contaminados, gatos domésticos e seres humanos”.

Estudo integralizado dará à saúde caráter preventivo

Neufeld acredita que, com o conhecimento que se está acumulando através da experiência em tempo real com a pandemia de coronavirose, o futuro da medicina será atuar, irrevogavelmente, com foco na prevenção ambiental e sanitária. “Com o conceito de Saúde Única, muitas doenças fúngicas que hoje são negligenciadas ganharão mais atenção dentro da infectologia porque a história natural desses processos passará a ser melhor compreendida e contextualizada. Nesse sentido, é fundamental criarmos uma sistemática de estudo que cristalize na micologia, de forma indelével, esse conceito de Saúde Única. Somente com esse olhar sobre o ambiente, repito, conseguiremos atuar preventivamente”, comenta.

O especialista ressalta que este olhar preventivo, em especial para a micologia médica, é essencial porque os fungos presentes no ambiente não estão muito presos a barreiras inter-específicas, como observado exemplarmente para a esporotricose, e podem, com facilidade, transitar através de um hospedeiro para o outro.  Entender essa intercomunicação biológica e seus impactos sanitários, inclusive de maneira mais estensiva, é cada vez mais premente", finaliza.

Novos estudos visam união de especialistas

Neufeld é um dos nomes confirmados do corpo docente da pós-graduação Epidemias e Inovação em Saúde, desenvolvida pela Universidade de Blumenau (Furb) em parceria com a Fundação Fritz Müller. O projeto, que trará aulas em caráter presencial e online, ao vivo, é voltado a profissionais de saúde de todo o país e busca criar um ambiente para promover a análise da saúde única. "É um projeto bastante inovador e alinhado com o momento que estamos vivendo. Serão três pilares de estudos: Epidemiologia, onde serão abordadas questões como prevenção, transmissão, medição e controle das doenças infecciosas; Doenças Infecciosas, com discussão sobre as principais doenças transmissíveis e problemas de saúde pública; e Inovação, que trará de novas tendências em saúde que podem contribuir para o controle de infecções”, comenta Alessandro Silveira coordenador do curso.

O projeto, que inicia em abril, está com inscrições abertas em www.fundacaofritzmuller.com.br. Além de Paulo Murillo Neufeld, mais de outros 20 estudiosos da saúde em diversas frentes fazem parte do corpo docente.


Legenda: Dr. Paulo Murillo Neufeld é médico microbiologista.
Créditos: Reprodução Internet